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Pandemia de Covid-19 e surtos de salmonelas em avicultura: o que há de comum entre eles

Há alguns anos, o sorovar Enteritidis de Salmonella (SE) reaparece na avicultura como uma característica pandêmica de saúde pública. Países do “primeiro mundo” são os primeiros a detectar o problema. Programas de TV abordam o tema; autoridade sanitária no Reino Unido perde seu cargo por declarações controversas. O consumo de ovos cai pelo medo da contaminação humana por esta via. O Brasil – mesmo sendo um dos maiores produtores avícolas do mundo – assiste à distância como se as portas de entrada do país estivessem blindadas ao problema. Não demora muito e, no final da década de 90, Enteritidis passa a ser a amostra mais encontrada na avicultura brasileira com predominância nas estatísticas de infecções humanas de origem alimentar e mortes. A pandemia de “SalmodSE” está instalada e os países partem para adoção de medidas de controle.

Infecção humana e animal por salmonelas é assunto muito estudado e conhecido há décadas. Se cepas de Enteritidis encontravam-se disseminadas em todo o mundo inclusive no Brasil, então o que aconteceu de novo para esta emergência de SalmodSE? Para entender, precisamos fazer certas considerações, algumas já cientificamente comprovadas. Em determinado momento, em algum lugar e por razão desconhecida, cepas de SE se tornaram altamente virulentas com elevada capacidade de infectar aves, transmitir via ovos, resistir às condições ambientais e causar doenças de origem alimentar em humanos com baixa letalidade. A rastreabilidade destas novas cepas, estudada por análises genômicas e fagotipagem, permitiu acompanhar sua disseminação pelo mundo. Certamente, o Brasil importou estas novas variantes, e não através de pessoas infectadas. Mas, absolutamente, através da importação de material genético na forma de ovos férteis ou pintos de um dia.

As reações à pandemia por SalmodSE foram imediatas em todo o mundo. Medidas específicas de controle, como a movimentação dos lotes de aves positivos e severa técnicas de biosseguridade nas granjas, foram implementadas. A SalmodSE foi imediatamente colocada entre as quatro salmonelas de controle obrigatório em aves (ao lado de Pullorum, Gallinarum e Typhimurium), dentre os mais de 1.600 outros sorovares existentes. Procedimentos para a detecção da contaminação precoce foram padronizados e aplicados compulsoriamente através de Instruções Normativas instituídas pelas agências especializadas do governo (IN-MAPA/Brasil). Nas ações essenciais de controle, foi determinada a realização de exames compulsórios dos lotes em produção (reprodutoras, poedeiras e frangos) para a presença do agente nos materiais genéticos (ovos férteis e pintos de um dia) importados/exportados ou comercializados no país. Vacinas específicas foram desenvolvidas e aplicadas em lotes de aves reprodutoras e poedeiras (obrigatoriedade em alguns países). No Brasil, houve uma perfeita sintonia entre a iniciativa privada e o governo. A primeira – coordenada pelas entidades de classe – assumiu a prática das ações necessárias, administrando os elevados custos e operacionalizando a aplicação dos programas. Enquanto que ao governo couberam as ações regulatórias e de fiscalização. Houve perdas econômicas, mas sem prejuízo aos empregos do setor.

Hoje, no Brasil, a SalmodSE continua sob intensa vigilância e sua prevalência em aves é ínfima. Os índices gerais de ocorrência de salmonelas em aves encontram-se entre os mais baixos do mundo onde há uma avicultura desenvolvida. Entretanto, recentemente, seguindo os passos semelhantes aos da SalmodSE, o sorovar Heidelberg emergiu como grande protagonista nas integrações de frangos de corte, particularmente, no sudeste do país, mas com menor impacto em saúde pública. Esta história brasileira é repetição do quadro em outros países e poderia ter sido evitada.

Aprendemos muito com a pandemia da SalmodSE e ainda temos muito a aprender. Primeiro, a necessidade de se manter um sistema intenso e rígido de vigilância sanitária ativa. Exames sensíveis e rápidos – que indiquem a contaminação precoce dos lotes e que incluam estudos das características patogênicas dos isolados e sua rastreabilidade – devem ser aplicados compulsoriamente e sistematicamente. Um sistemático programa de isolamento, higiene e biosseguridade dos lotes de aves e das granjas precisam ser praticados com sustentação nos conhecimentos epidemiológicos baseados na ciência. Tudo isto deve conduzir para a aplicação de ações efetivas de controle e prevenção dos surtos, antes que se tornem pandêmicos.

Outro grande ensinamento da pandemia da SalmodSE foi a desmistificação do uso de antimicrobianos e antibióticos no controle de salmonelas em aves, prática muito comum adotada por décadas. Os antibióticos interferem com os resultados de isolamento das salmonelas, aumentam seu período de excreção fecal, quando não induzem o aparecimento de cepas resistentes. Estas, quando relacionadas a surtos de infecção humana, têm seu arsenal terapêutico reduzido para combatê-las. Esta mudança foi tão marcante que, em 2019, quase que 60% das rações produzidas nos Estados Unidos foram sem o uso de antibióticos. Esses, também, não são mais aplicados in ovo ou em pintos nos incubatórios (Poultry Health Today, May 4, 2020). Por outro lado, a ciência buscou alternativas naturais aos antibióticos. O mercado dispõe hoje de um enorme arsenal para a prevenção e controle de salmonelas que atuam, também, na denominada saúde intestinal. Produtos constituídos por ácidos orgânicos e seus derivados, probióticos e prebióticos compõe a maioria destas ferramentas disponíveis no mercado.

Assim como aconteceu com SalmodSE, a pandemia por Covid-19 vai passar e deixar vários ensinamentos. Resguardando as proporções e importância mundial de ambas, há muito de comum entre elas. Com certeza, sairemos melhores e mais fortalecidos.

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